FESAP envia carta a António Costa

Em carta enviada ao Primeiro-ministro, a FESAP apresentou as prioridades reivindicativas dos trabalhadores da Administração Pública tendo em vista a elaboração do Orçamento do Estado para 2023 e o processo de negociação geral anual para o setor.

Abaixo está o texto integral da missiva envidada ao Chefe de Governo, tornado público esta sexta-feira, 2 de setembro, em conferência de imprensa.

______________________________________________________________________________________________________

O Orçamento do Estado para 2023 e o processo de negociação geral anual para a Administração Pública

Ex.mo Sr. Primeiro-ministro,
Dr. António Costa,

Num momento em que estará já em preparação a apresentação e discussão do Orçamento do Estado para 2023, a FESAP entende ser oportuno dirigir a V.Exa. uma missiva que, por um lado, estabeleça as prioridades reivindicativas dos trabalhadores da Administração Pública e, por outro, funcione como um guia para os processos de negociação que se avizinham.

No que à Administração Pública diz respeito, a FESAP não tem dúvidas de que a estabilidade política que se antevê no curso da presente legislatura representa uma oportunidade singular para, desde logo, recentrar o diálogo social e a negociação coletiva nas sedes próprias, das quais tinham sido afastados por força das soluções governativas que foram adotadas nas legislaturas anteriores.

É também expectável, e desejável, que as medidas relacionadas com o setor público não voltem a ser utilizadas como bandeiras de propaganda hasteadas na comunicação social para o público em geral, ou como moeda de troca em negociações partidárias com vista à obtenção de apoio parlamentar.

No entender da FESAP, estão reunidas todas as condições para se negociar e alcançar acordos e entendimentos, tanto no que respeita às questões que exigem a adoção de medidas mais urgentes, como também para, em conjunto com as organizações sindicais e demais agentes sociais, económicos e políticos, trilhar o caminho para uma reforma da Administração Pública.

Com o retorno que obtém do desenvolvimento da atividade dos seus sindicatos, em particular através das visitas, dos plenários e das reuniões que realiza nos locais de trabalho, a FESAP está em condições de sistematizar e apontar quais são problemas que afetam de forma transversal todos os serviços da Administração Pública, para além dos que incidem especificamente em cada setor.

De norte a sul do país, passando pelas regiões autónomas, as queixas dos trabalhadores e das trabalhadoras dos setores da saúde, da educação, das autarquias, da segurança social, da justiça, da autoridade tributária, dos registos e notariado, da polícia municipal, das misericórdias, das IPSS, entre muitos outros, prendem-se com:

• os baixos salários que auferem independentemente da antiguidade;

• a falta de atratividade e de perspetivas de desenvolvimento das carreiras, bem como com a estrutura dessas mesmas carreiras;

• as injustiças que existem nos locais de trabalho devido à coexistência de diferentes regimes laborais, nomeadamente o contrato de trabalho em funções públicas e o contrato individual de trabalho;

• a existência de um sistema de avaliação que estabelece limites para o mérito e funciona como uma barreira e não como um estímulo para progredir nas carreiras;

• a pesada carga fiscal que recai sobre os rendimentos do trabalho;

• a escassez de recursos humanos, que conduz a uma sobrecarga de trabalho para muitos trabalhadores;

• a falta de condições de segurança e saúde nos locais de trabalho;

• a ausência de formação profissional;

• a precariedade laboral, que atinge hoje níveis semelhantes aos registados em 2010.

Sr. Primeiro-ministro, é imperativo que seja dado um sinal inequívoco de que a política de baixos salários será abandonada, que será invertida a trajetória de aproximação do salário médio ao salário mínimo e que se acabe com a contínua absorção de posições da Tabela Remuneratória Única (TRU) por via do aumento do salário mínimo, o qual, considera a FESAP, não deve ser aplicado à Administração Pública.

Este é um caminho que terá que ser seguido, não só nos diversos níveis da Administração Pública, Central, Regional e Local, mas também no setor Empresarial Público, nas Misericórdias e nas IPSS.

Um compromisso sobre a revisão das carreiras gerais e das carreiras subsistentes e não revistas tem de ser assumido, compromisso esse que deve incluir também a criação de novas carreiras especiais ou específicas, que considerem as particularidades das funções desempenhadas pelos assistentes técnicos e pelos assistentes operacionais, em setores como a saúde, a educação, a justiça, as autarquias, a segurança social, entre outros.

Para a FESAP, o alcance de acordos anuais ou plurianuais sobre as mais diversas matérias constitui a base necessária para tornar o emprego público mais atrativo e competitivo, bem como para dotar a Administração Pública da estabilidade e da confiança de que carecem hoje os serviços e os trabalhadores.

Posto isto, a FESAP estabelece como matérias de negociação prioritária:

• a atualização anual dos salários e das pensões anuais, em valores acima da inflação, tendo em consideração os números relativos à produtividade e ao crescimento económico;

• a revisão da Tabela Remuneratória Única, com vista a garantir que todas as carreiras possuem posições remuneratórias que permitam o seu normal desenvolvimento;

• a valorização das carreiras, garantindo um SIADAP sem quotas, justo, proporcional, transparente e anualizado, que contribua para a captação e fixação dos melhores na Administração Pública;

• a atualização dos valores do subsídio de refeição e das ajudas de custo em linha com o real aumento do custo de vida e sem impacto tributário;

• a contagem de todos os pontos para efeitos de progressão nas carreiras e a devolução de pontos aos trabalhadores a quem estes foram retirados;

• a conclusão da revisão das carreiras subsistentes e não revistas;

• a valorização dos salários e das carreiras técnicas para interromper o processo de empobrecimento da classe média trabalhadora;

• o estabelecimento de incentivos para a deslocalização e descentralização de postos de trabalho para zonas do interior ou fora dos grandes centros urbanos;

• a adoção do vínculo único de emprego público, evitando a coexistência de trabalhadores que, tendo os mesmos horários, funções, hierarquias e salários, regem-se por regimes laborais diferentes;

• a adotação de medidas de responsabilização e valorização dos dirigentes intermédios da Administração Pública, impedindo a concentração da competência para decidir nos graus mais elevados das hierarquias;

• o aprofundamento e o incentivo à utilização do modelo de avaliação dos serviços com distinção de mérito associada aos melhores níveis de desempenho e refletir essa distinção em benefícios para os respetivos trabalhadores, garantindo assim o alinhamento das dimensões individual e organizacional;

• o reforço do modelo de formação dos trabalhadores em funções públicas pelo Instituto Nacional de Administração, I.P. (INA), alavancando a sua capacitação e o reforço de competências em larga escala;

• a aposta na capacitação digital dos trabalhadores, desde os níveis mais básicos e das competências digitais intermédias até à qualificação avançada em tecnologias emergentes;

• a consolidação e a ampliação dos centros de competências, associando-lhes uma dimensão de conhecimento acessível para a Administração Pública e reforçando a capacidade crítica e a especialização dos seus trabalhadores;

• o combate à crescente precariedade laboral e a necessidade de proceder ao rejuvenescimento dos quadros da Administração Pública;

• a implementação de políticas de gestão de pessoas, nomeadamente fazendo um levantamento criterioso das necessidades permanentes dos serviços e planeando o recrutamento em função das necessidades efetivas de cada área da Administração Pública;

• a revisão do regime de acesso à Administração Pública, de forma a agilizar e simplificar os processos de recrutamento, tornando-os mais céleres, em especial para jovens recém-licenciados, respeitando sempre o princípio de igualdade no acesso;

• a potenciação do acesso às carreiras de técnico superior da Administração Pública, melhorando os níveis remuneratórios de acesso e beneficiando, também, a formação em mestrados e doutoramentos;

• a necessidade de efetuar um levantamento das condições de saúde dos trabalhadores, tendo em consideração o contexto pandémico que ainda hoje se vive;

• o aperfeiçoamento do modelo de recrutamento e seleção de dirigentes superiores, garantindo a transparência, o mérito e a igualdade de oportunidades, permitindo à CRESAP proceder à abertura oficiosa de concursos para dirigentes superiores, com base nos princípios da competência e da responsabilização.

Finalmente, a FESAP enfatiza a matriz negocial dos sindicatos seus filiados, apresentando total disponibilidade e empenho nos processos de negociação que se avizinham, com a certeza de que é essencial obter resultados que permitam corresponder às expetativas dos trabalhadores e, desse modo, promover a diminuição do crescente clima de insatisfação e de crispação que tem vindo a acentuar-se nos locais de trabalho.